Oficina Cerâmica de Francisco Brennand, o mestre dos sonhos

O cenário: as ruínas de uma olaria, cercada por remanescentes de Mata Atlântica e pelas águas do Rio Capibaribe.

A localização: as terras de um antigo engenho no bairro histórico da Várzea, na periferia de Recife.

O sonho: povoar todo o espaço com esculturas cerâmicas que misturam arte, elementos da natureza e sexualidade com um pouquinho de sincretismo religioso e mística. Um lugar diferente de tudo que eu já viu no mundo.

Bem-vindos à Oficina Brennand.

Oficina Brennand

Oficina Brennand: um pouco de história

Em 1917, a Cerâmica São João, da família Brennand, foi inaugurada nas terras do Engenho São João da Várzea, no Recife.

Francisco Brennand nasceu no antigo engenho. Cresceu sempre em contato com a arte, interessado em desenho e literatura.

Foi colega de outro célebre artista nordestino, Ariano Suassuna, com quem editava um jornal literário nas épocas do colégio.

A grande paixão da juventude de Francisco eram as pinturas a óleo, mas depois de visitar uma exposição de cerâmicas de Picasso na França, em 1948, sua vocação artística mudou completamente.

Leia também: Visita ao Instituto Ricardo Brennand

Oficina Brennand
Foto: Fui Ser Viajante
Oficina Brennand
Foto: Fui Ser Viajante

A grande influência para suas obras veio de sua passagem por Barcelona, quando conheceu o trabalho de Gaudí, com suas formas sinuosas e impressionantes.

Quando retornou ao Brasil, já era completamente apaixonado pela cerâmica e fez do trabalho com o material a sua vida.

Inaugurou em 1971, nas terras do antigo engenho da Várzea, a Oficina Brennand. Um espaço misto de ateliê, museu e santuário. O espaço impressiona pela grandeza e originalidade das peças.

As formas inusitadas despertam curiosidade, intrigam e perturbam. O universo criado pelos sonhos do mestre Francisco Brennand não é fácil de entender, nem de visitar.

Então se prepare para conhecer um mundo totalmente diferente de tudo que você já viu!

Como é a visita à Oficina Brennand em Recife

A Oficina Brennand começa impressionando pela localização. No bairro da Várzea, periferia recifense, seguimos o GPS até que a gente se depara com uma estrada de chão, no meio da mata.

Dentro da cidade! Parece que estamos indo para uma fazenda, ou que pegamos um portal para outra dimensão.

Oficina Brennand
Foto: Fui Ser Viajante
Oficina Brennand
Foto: Fui Ser Viajante

Pagamos o ingresso e pegamos o mapa da propriedade. Logo na entrada, um café/restaurante convida os mais famintos para uma paradinha antes do passeio.

O café é muito frequentado pelos recifenses nos dias de domingo, que vem até a Oficina para almoçar por ali. Não é muito barato, mas também não tem preços absurdos.

O complexo do museu-ateliê tem uma área externa – com jardins, e uma área interna – que funciona nos antigos galpões da Cerâmica São João. Todos os ambientes são povoados com esculturas, de tamanhos e formas inusitadas.

A Oficina Brennand definitivamente não se parece com nada que já vi no mundo. As peças perturbam, incomodam, nos deixam envolvidos em curiosidade.

A originalidade de Francisco Brennand é incontestável. O artista sabe como ninguém imprimir seu estilo nas obras. Um componente rústico, misterioso, com um forte componente sexual e sincretismo religioso.

A Oficina Brennand tem cara de templo, santuário, ao mesmo tempo que é mundano e provocativo. Francisco Brennand é único.

Um passeio pela Oficina Brennand

Cada espaço dentro da Oficina Brennand tem uma característica própria, mas a atmosfera que une todos eles é a mesma.

O ambiente, com suas cores e formas, nos deixa curiosos. O canto gregoriano ao fundo nos acalma e nos coloca num estado reflexivo, quase místico.

Todos os visitantes parecem absorver essa atmosfera, e fazem a visita se movendo quase silenciosamente entre as salas. Parando para analisar assim, a Oficina Brennand parece mesmo um templo.

Oficina Brennand

Logo na entrada da Oficina Brennand, a primeira obra que encontramos é chamada de Os Comediantes. São quatro saltimbancos de cerâmica que nos convidam a entrar no universo de Francisco Brennand.

Acho engraçado que quatro figuras tão sérias sejam chamadas de comediantes. Primeira provocação de Francisco?

Salão das Esculturas e Anfiteatro

Funcionando num antigo galpão da Cerâmica São João, o salão é repleto de esculturas, vasos e painéis de autoria de Francisco.

É uma exposição permanente e dá pra ter uma ideia da versatilidade do artista. O curioso é que as peças, embora sejam tão diferentes, carregam aquela unidade que faz a gente identificar cada peça de Brennand.

Ao lado do salão, fica o Anfiteatro, com piso em forma de mandala. Um ambiente que é pura simetria.

Parece um pouco com uma sala de banhos romana, com um espelho d’água central. Ao mesmo tempo, lembra um templo religioso, com seu enorme vitral dando cores únicas ao ambiente.

Oficina Brennand
Foto: Fui Ser Viajante
Oficina Brennand
Foto: Fui Ser Viajante

Ali ao lado, ainda ficam duas salas super escuras – que aparentemente eram fornos da velha cerâmica. Esses ambientes me perturbaram muito. O cheiro, a penumbra, a curiosidade pra conseguir enxergar o que tem ali dentro, a música…

Tudo deixa uma atmosfera assustadora e provocante. Pra completar meu medo, um dos vários gatos que circundam a propriedade fez um barulho enorme na hora que visitava essa sala.

Ele derrubou alguma coisa e me assustou pra caramba. Místico, perturbador e meio aterrorizante. hahah

Templo Central

Fica bem ao lado do Salão das Esculturas. Mais uma vez a presença de componentes místicos, que lembram templos religiosos, misturados à várias obras com conotação sexual.

É meu espaço favorito da Oficina Brennand. A perfeita simetria de tudo é um conforto para os olhos.

As peças de cerâmica perfiladas no alto muro da lateral do Templo lembram sentinelas, que tomam conta da cúpula central, onde repousa o Ovo Primordial.

Tudo no ambiente parece mesmo querer proteger esse ovo, que representa a imortalidade. Dá pra fazer lindas fotos por ali.

Praça Burle Marx

Atrás do Templo Central fica um lindo jardim, projetado pelo paisagista Burle Marx e decorado com as esculturas de Brennand.

O ambiente é puro contraste com o resto da oficina: são cores vivas, ambientes amplos, até uns gansos que vivem soltos por lá.

Um respiro de vida pura e simples, depois de tantos mistérios da mente criativa de Brennand.

Accademia, Cine Teatro e Templo do Sacrifício

A visita termina nas construções mais distantes do galpão principal. É preciso dar a volta na Praça Burle Marx para chegar na Accademia, uma espécie de galeria onde ficam expostos cerca de 300 desenhos e pinturas de Francisco Brennand.

Ao lado, fica o Cine Teatro Deborah Brennand, nomeado em homenagem à esposa do artista. É um espaço para palestras e projeções, com algumas poucas obras expostas no hall de recepção. Por último, caminhando em direção à saída, fica o Templo do Sacrifício, um conjunto de mais algumas esculturas de Brennand, em ‘homenagem às culturas assassinadas’. O caminho da saída nos leva de volta ao café, onde podemos terminar a visita com um lanche ou almoço e uma bela vista dos jardins.

Oficina Brennand: minha opinião

A Oficina Brennand está em constante mutação, já que o artista continua criando e modificando o espaço. 

É inegável que Francisco Brennand é uma referência quando se fala em arte em cerâmica. As suas peças carregam sua assinatura.

Garanto a você que, depois de conhecer o trabalho, vai ser extremamente fácil reconhecer as obras de Brennand em qualquer parte do mundo. Inclusive, não deixe de visitar o Parque das Esculturas, no Recife Antigo, uma das mais lindas obras do artista.

O Espaço Oficina Brennand é provocativo. O mundo que Francisco criou é um universo de sonhos, paralelo ao nosso mundo.

As obras carregam uma eterna referência à sexualidade e à natureza, e foram cuidadosamente pensadas para um ambiente que tem tanto uma faceta religiosa quanto mística, única.

Brennand não é unanimidade nem mesmo em Recife, mas a visita a Oficina é uma oportunidade incrível de ver de perto o trabalho de um dos maiores ceramistas do mundo.

Um dos poucos artistas que podem ser facilmente identificados por qualquer uma das peças que criou.

“Mas para que descrever? Palavra alguma pode dizer a arte de Brennand.
A literatura é inútil. Ele escreve com a cerâmica“. Fernando Borba

Como chegar

A primeira vez que fui na Oficina Brennand, eu me perdi.

Não vivíamos ainda no glorioso tempo dos aplicativos como Waze, e o velho GPS me levou para um passeio no bairro da Várzea, uma região bem simples da cidade do Recife.

Quem me ‘salvou’ foi justamente o pessoal da Várzea, que me indicou o caminho. Já em 2017, voltei na Oficina Brennand seguindo os caminhos do Waze e deu tudo certo.

Então, é basicamente confiar nas placas do caminho e no aplicativo, que vai dar tudo certo.

Lila Cassemiro
Klécia Cassemiro (Lila, para os amigos) é fotógrafa, videomaker e editora de conteúdo no blog Fui Ser Viajante. Também é sommelier de cervejas, formada pelo Instituto Science of Beer. Viajante geminiana e curiosa, é especialista em desenhar roteiros fora do óbvio e descobrir os segredos mais bem escondidos de cada destino.
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comentários:
ana disse:

Esse Francisco Brennand eu não conheci quando estive em Recife, conheci o outro museu com o mesmo sobrenome.

Klécia disse:

O Instituto Ricardo Brennand, Ana? Eles eram tio e sobrinho, e os dois ficam bem pertinho um do outro. Espero que você conheça na sua próxima ida a Recife!

Socrates disse:

Parabéns pelo post Klécia, muito bem escrito e ilustrado. Estou pensando em parar na oficina Brennand pra almoçar. Estarei indo à caminho da praia dos carneiros vindo de Natal e pensei em parar lá para almoçar e aproveitar pra conhecer a oficina. Você recomenda o almoço de lá? Muito obrigado.

Klécia disse:

Oi Socrates! O lugar é bem bonito e mais de uma vez fomos almoçar lá para fazer alguma comemoração do grupo de trabalho. Gosto muito da experiência. E você ainda pode combinar o almoço com a visita 🙂

Klécia, meu pai conheceu a oficina e ele ficou completamente fascinado! Os comentários dele me despertou muito desejo de conhecer e hoje lendo o seu relato esse desejo só aumentos. Ao ler que Brennand se inspirou em Gaudí e confesso que pelas fotos consigo identificar alguns traços modernistas catalão, fiquei ainda mais empolgada e animada para conhecer esse espaço.

As exposições a céu aberto me chamaram mais atenção e os templos parecem ser fantástico, iria adorar passear por esse local místico e intrigante.

Klécia disse:

Viu que paralelo legal entre as nossas famílias? Minhas origens, seu país atual e nossas famílias se cruzando pelo mundo afora! 🙂 Acho isso tao incrivel sobre viajar! A gente passa pelos mesmos lugares que pessoas que a gente nem conhece ainda vão passar, e depois todas essas pessoas podem se conectar de alguma forma. Filosofei ne? hahah Mas que bom que as viagens da vida fizeram a gente se esbarrar pelo mundo! 🙂

Rsrsrsrsrsrs filosou, mas é vrdd =D

Oi Klecia, uma das minhas decepções como viajante foi não ter conhecido essa oficina quando fui a Recife em 2014. Pretendo voltar e conhecer, pois parece ser fantástico!

Klécia disse:

Torcendo pra que você volte em breve, Francisco!

Que legal, nunca tinha ouvido falar desse lugar na vida. Parece ser muito interessante e surpreendente em vários sentidos.

Klécia disse:

É sim, Thiago! Um lugar incrível!

Mais um lugar que ficou de fora de minha visita a Recife. Mais um lugar extraordinário na cidade! Achei bárbara aquela estrada de chão no meio da mata. Na cidade!!!!

Adorei o fato de ter área externa e interna e das variadas possibilidades de interpretação. Gostei da atmosfera que você narra meio mística, mas não gostei do fato de ter gatos andando pelo lugar. Gatos me dão muito medo!

Um lugar interessante que mistura arte, natureza e arquitetura. Achei o edifício da Accademia especialmente bonito.Bom, o endereço completa todo o charme do lugar!! rsrsrs bjs

Klécia disse:

Gatos também me dão medo, Ana! Até por um componente meio místico haha Entao imagina o susto desses gatos todos por lá, e do barulho enorme de um gato trombando com as peças rs. Eu achei curioso, mas engraçado. Porque de certa forma, os gatos combinam com a Oficina! beijinhos!

Adriana disse:

Admiro Brennand e adoro gatos. Não precisa ter medo.

Mapa na Mão disse:

Diferente… eu nunca tinha ouvido falar desta oficina. E gostei de ter conhecido agora, através do teu relato. Amei, mesmo e também o caminho até lá e o restaurante, o café, hum, fiquei aqui imaginando… E ri com o teu TOC, hehehehe. Beijos.

Klécia disse:

hahaha Brennand faz um bem enorme para o meu TOC haha E vale a pena a visita, por tudo isso que você descreveu. O lugar é mágico 😀

rayaneaz disse:

Klécia, há alguns anos, ouvi falar desta oficina de Brennand, mas havia me esquecido. Lendo seu post, resgatei da memória um local que achei interessante conhecer. Obrigada por compartilhar essa experiência incrível!

Klécia disse:

Eu que fico feliz de te trazer essa memória boa, Rayane! Conhece mesmo, vale muito a pena!

cwrgutierrez disse:

Nossa que passeio diferente, muito bonito e místico o lugar, um lugar com muita arte e cultural, não imaginava que existe um lugar desse ai.

Klécia disse:

Que bom que gostou! Vale a visita!

Laís disse:

Vi esse lugar no programa “Estrelas” da Angélica, achei lindo! Pelas suas fotos parece ser um lugar de paz total né.. quando for pra Recife vou tentar conhecer..

Klécia disse:

Tem muita paz por lá sim Laís. Um lugar até meio místico, super interessante a atmosfera por lá!

Viviane Carneiro disse:

Nossa… que lugar mais lindo e que fotos maravilhosas! Já quero conhecer. Adorei o post e as dicas. Bjs

Klécia disse:

Vale a pena conhecer, Viviane!

bstorquato disse:

Que lugar fantástico! Não fazia ideia que esse lugar existia. Fiquei com vontade de conhecer.

Klécia disse:

Muito bacana né? Tomara que você conheça qualquer dia!