O que é Slow travel? Pelo prazer de viajar sem pressa

O movimento slow travel vai na direção oposta desse culto barulhento e dominante que engrandece as glórias da velocidade. ‘O mundo acelera e pede pressa’, já dizia Lenine.

Eu levei um tempo até entender que essa obsessão pela velocidade que toma conta da nossa rotina, dia após dia, estava fazendo parte também das minhas viagens.

Lá estava eu, de férias, com o roteiro na mão e vinte pontos turísticos para conhecer em um dia. “Dormir em dólar é mais caro”. “Não dá pra ir a Roma e não ver o Papa”.

Frases comuns no meu planejamento de viagem. Mais de uma vez, eu tentei encaixar dois pontos turísticos imperdíveis – que ficavam em lados opostos da cidade – dentro do mesmo dia no roteiro.

Eu não percebia a pressa. Essa parecia a escolha mais óbvia: não perder nenhum clássico da cidade visitada.

Essa obsessão por cumprir o checklist começou a estar presente até nas viagens de fim de semana. ‘O roteiro de viagem é o meu senhor e o planejamento não me faltará’.

Muita coisa pra ver, visitar – e pouco, ou nenhum tempo pra deixar o destino me surpreender. Honestamente, de dentro daquele turbilhão, eu não via o que eu estava acontecendo.

A ditadura da velocidade me fazia escolher a pressa de visitar todos os “pontos imperdíveis” ao invés de aproveitar uma cerveja com amigos num barzinho que nunca vai estar em qualquer guia Lonely Planet.

Mas veja só, um dia a vida me convidou a desacelerar. A dar um passo para trás, reduzir o ritmo. Repousar a mente e prestar atenção nas cores de cada por do sol.

Não foi fácil. Foi como um soco no estômago, perceber que meu corpo não acompanhava mais aquela correria. Não queria mais.

Uma exaustão física e mental me colocou no chão. Aos poucos, precisei aprender a respeitar meu corpo e entrar em outro ritmo. A perceber os dias. A sentir, e não correr.

Foi dali que eu entendi que, no meio desse mundo que pede cada vez mais pressa, ir devagar pode ser uma revolução.

Por do sol no Valle de la Muerte, Mirador de Kiri, Pedra do Coyote, Deserto do Atacama

Slow travel: porque eu escolhi viajar mais devagar

Antes do slow travel, eu descobri o minimalismo. Um estilo de vida que busca aproveitar o simples, viver com o essencial. Dar mais valor às pessoas que as coisas. Parece lindo, né?

Mas quando começo a conversar sobre como isso me levou ao desapego de muitas coisas que antes pareciam essenciais, nem todo mundo acha esse estilo de vida viável – ou mesmo possível.

Comprar menos, buscando levar em conta a sustentabilidade, o impacto no meio ambiente e na sociedade.

Com isso, dar preferência ao comércio local, justo e consciente. As coisas passam a ter um novo significado, a ter mais valor pelo que representam, não só pelo que são.

Não demorou muito até minha mala ficar menor. Viajar com o básico, com o essencial para uma experiência de viagem – sem me preocupar com um look diferente para cada foto em cada lugar.

Por último, veio a necessidade de reduzir o ritmo, nesse mundo onde tudo sempre passa rápido demais. Eu, uma pessoa de naturalmente acelerada, de mente apressada, estava ‘engolindo informação’ demais, trabalhando demais, correndo o tempo todo.

De-va-gar.

Precisei respirar fundo para perceber que eu estava deixando o melhor da vida passar. Perdendo a surpresa do imprevisto por tentar ter tudo tão controlado, fazer tudo sempre com tanta pressa.

Reduzir o ritmo significa priorizar. O que vale mais a pena pra você: conhecer 5 bairros de Paris em um dia, ou aproveitar uma tarde com seu amor, em um pique-nique em frente da torre Eiffel? Em cada escolha há ganhos e perdas.

Mas eu escolhi perder quantidade, para ganhar qualidade. E foi nesse momento que escolhi o slow travel.

Cabo Vassilikos - guia de praias de Zakynthos

Por menos roteiros engessados – e por mais surpresas nos destinos

Faz tempo que não publico roteiros de viagem aqui no blog. Por quê?

Bem, acho bem difícil que eu, com meu estilo de viagem, com o tempo que gasto numa atração, com o tempo que passo em uma refeição, consiga dizer pra você, que tem outro ritmo e divide seu tempo de outra forma, quanto tempo você vai levar para percorrer um roteiro engessado de viagem. E se você não gostar de caminhar? E se suas preferências forem outras?

Hoje eu normalmente apresento uma lista com as principais atrações de um destino. Acho que isso te deixa mais livre para encaixar o que cabe ou não no seu roteiro, conforme seu estilo de viagem.

E te deixa com tempo pra fazer coisas que normalmente não constam nos roteiros de viagem: conversar com um local, apreciar a natureza, deitar na grama, se aventurar num pequeno restaurante da cidade, tirar fotos de desconhecidos.

Coisas pequenas e quase sempre esquecidas, mas que podem se transformar na melhor experiência da sua viagem. Pode ser o segredo essencial para fazer dessa a sua viagem mais inesquecível.

Slow travel vem sendo uma (re)descoberta sobre mim e sobre o mundo. Do que eu gosto, do que me faz feliz. Não o que me disseram que era imperdível, mas do que eu considero essencial. 

O slow travel me fez dar chance a destinos menos ‘certeiros’, que não são unanimidade entre os viajantes. Foi assim com La Paz e com Bruxelas, por exemplo.

E nas duas vezes, a gente teve experiências incríveis de viagem – descobrindo coisas que não estavam em nenhum roteiro e que se tornaram as melhores memórias.

Menos pressa, menos bate-e-volta. Agora eu gosto mais quando eu me demoro no destino. Quando eu já acabei a lista de atrações é que a viagem realmente começa.

Quando a cidade ganha a chance de me surpreender – é assim que as essas aventuras pelo mundo vem ficando cada vez mais inesquecíveis.

Lila Cassemiro
Klécia Cassemiro (Lila, para os amigos) é fotógrafa, videomaker e editora de conteúdo no blog Fui Ser Viajante. Também é sommelier de cervejas, formada pelo Instituto Science of Beer. Viajante geminiana e curiosa, é especialista em desenhar roteiros fora do óbvio e descobrir os segredos mais bem escondidos de cada destino.
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Comentários:
Casa de Doda disse:

Klécia, demorei mas também entrei nessa vibe! Menos é mais! Um exemplo foi a última viagem para Santiago. Eram apenas 4 dias, eu estava com minha irmã e sobrinhos, fomos comemorar o aniversário dela! E o único passeio que foi agendado foi o do Embalse, o restante saímos sem destino pelas ruas de cidade, sem medo de ser felizes! Resultado, uma viagem sem tantos pontos turísticos, mas cheia de risadas, de fotos, do prazer da cia um do outro! Pena que meu crush não pode de ir, mas isso a gente corrige numa próxima! Beijos

Juliana Moreti disse:

Diria que é muito dificil viajar devagar quando temos pouco tempo e um mundo inteiro para desbravar e, por isso, entendo o motivo pelo qual muita gente faz vàrias cidades em poucos dias. Eu mesma jà cai algumas vezes nesta cilada, mas diria que com o tempo aprendemos a priorizar

nossas viagens são sempre sem pressa e sem essa de não “que azar, não deu para ir ou conhecer”. tudo feito com calma, tranquilidade, prazer e alegria. o lugar tem 1000 atrações e só conseguimos 50, que ótimo, temos mais 950 razões para quem sabe retornar um dia. belo post, Klécia. um abraço.

Klécia disse:

Exatamente Fernando! Fazendo cada segundo valer a pena, e deixando varios motivos pra voltar qualquer dia 🙂

Também sou adepto desta forma de viajar. Só assim se aproveita bem o que os lugares têm para nos oferecer 🙂

Klécia disse:

Com certeza Miguel! Faz toda diferença, o slow travel me ensinou muito sobre mim e sobre o mundo!